Está-se a poucos dias de se completar o segundo mandato – uma década! – da governação do PAICV, sob a liderança do Dr. José Maria Neves. Chegou a hora de balanço. Pelo meio, ficam algumas coisas boas. Infelizmente, as más são, de longe, mais.
A começar pelas remodelações, onde houve muitas entradas e saídas, mas com poucos jovens. O critério foi a militância: não houve uma única “contratação” vinda do chamado “independentes”.
Os insólitos e os desnortes nos ministérios também não faltaram. A economia é um exemplo. A pasta foi um autêntico, passe a expressão, “cemitério” de ministros (coleccionou cinco, incluindo o próprio primeiro-ministro).
Alguns ganhos, por exemplo, nos domínios das infra-estruturas (estradas, aeroportos, centros de saúde), do ensino superior (a nível das universidades porque na questão das bolsas houve um grande corte) ou da política externa (embora neste aspecto, e independentemente do governo, Cabo Verde sempre teve boa reputação).
Mas, definitivamente, o que vai marcar, para sempre, esta década de governação tambarina, são os falhanços. As políticas erradas. A abundância é tanta que dificilmente haverá, hoje, tarefa mais fácil do que escolher ou apontar falhas a esta última década dos governos do PAICV.
As opiniões dos cidadãos (nas reportagens de rua das tvs ou rádios, nas conversas de café ou em outros fóruns) têm demonstrado isto. Apontam o dedo sempre nas mesmas direcções: segurança, justiça, administração pública, habitação, transportes marítimos, indústria, crescimento económico, etc.
Além desse grande naipe, há mais dois domínios, mas que estão na “lista negra”: o emprego e a energia. Escolher, entres estes dois, o pior de todos, parece, à partida, um exercício mais difícil. Mas, se levarmos em conta que a criação de emprego não deve ser vista como uma causa, mas sim uma consequência das políticas económico-social de qualquer governo, e que ao sector energético estão ancorados vários outros sectores vitais da economia (a água, o turismo, a indústria ou os serviços), penso que não restarão quaisquer dúvidas: a energia foi o maior falhanço.
Mas, não é só por causa da sua correlação com o crescimento económico, com reflexos na criação de emprego. Também, porque o sector energético, já por si só, é um gerador directo e imediato de emprego. Basta ver o número de barbeiros, de cabeleireiras ou de comerciantes (bares, mercearias, papelarias) que deixaram de ter o seu ganha-pão por causa dos constantes apagões, ou de “hiacistas” e de taxistas, com os aumentos do preço dos combustíveis.
Os apagões ou os aumentos do preço dos combustíveis foram os “rostos” do falhanço energético. Mas, analisando, a fundo, a problemática, constataremos que o falhanço foi total: na segurança de abastecimento, na qualidade, na eficiência ou na regulação do mercado. Senão, vejamos!
As perdas de energia eléctrica (este sim, um verdadeiro cancro) registaram valores nunca vistas: foi de 26.1% no ano de 2009. Esta energia perdida (77.064 MWh) dava para cobrir o consumo de 3 grandes ilhas (S.Antão, S.Vicente e Sal).
Os apagões foram o pão-nosso de cada dia. Em 2009, CABO VERDE ESTEVE 55 DIAS NA ESCURIDÃO. Os santa-cruzenses foram, de longe, os mais “azarados”: estiveram 26 dias a luz da vela.
Mas, os falhanços não acabam aqui. São ainda mais preocupantes nas grandes reformas. A reestruturação da Electra, a empresa logística de combustíveis, a iluminação pública e a regulação são quatros exemplos.
Na questão Electra, o ziguezague foi demais evidente. Primeiro, deu-se ao luxo de “expulsar” um dos grandes players, a EDP (além de ser, provavelmente, a melhor empresa portuguesa, a multinacional está no mercado exigente dos estados unidos no domínio das renováveis). Conclusão: os grandes investimentos, acordados no âmbito da privatização, ficaram por realizar. Basta ver que, em 2001, o investimento foi de 2344 mil contos, e, depois da nacionalização da ELECTRA, em 2006, o investimento médio anual baixou para 596 mil contos. Obviamente que esta nacionalização, baseada em preconceitos e dogmas ultrapassados, não podia terminar doutra forma: em mais um falhanço. Entretanto, e com o apertar do tempo, inventou-se (não se sabe com base em que estudo) uma reestruturação cosmética e paliativa, que não passou de uma regionalização da empresa: nasceram as “Electras Barlavento e Sotavento”. E resultados? Até agora: népia!
A Empresa logística de combustíveis, tantas vezes reivindicada pelas petrolíferas, foi simplesmente engavetada. Chegou a hora de se perguntar: Afinal? O que é feito do dossier? O elevado preço dos combustíveis (no “Verão negro de 2008” a gasolina atingiu 173.30 Esc. /litro), a ruptura dos stocks de Jet A1 no aeroporto do Sal e a saída da gasolineira Shell da distribuição foram outras manchas negras no subsector dos combustíveis.
A iluminação pública continua por resolver. A PROMITUR (representante dos promotores do sector do turismo) já chamou, várias vezes, a atenção para o problema. Reivindica a construção das redes de iluminação pública nos empreendimentos pelo Estado, e propõe a concessão (provisória) de licenças especiais de distribuição de electricidade aos seus clientes no interior dos resorts. Duas exigências/propostas razoáveis e legitimas, na minha opinião. Mas, parece que o governo, os municípios e os operadores turísticos e imobiliários (o parlamento, também) não se entendem. Pelos vistos, mais um problema a resolver pelo próximo governo.
Não há mercado que funcione sem uma regulação forte e presente. O falhanço na política de fixação de preços (dos combustíveis, da electricidade e da água) foi evidente. Hoje, a electricidade é vendida a 26.41 Esc./kWh, a água a 354.23 Esc./m3, a gasolina a 151.10 Esc./litro, o gasóleo a 108.30 Esc./litro e uma garrafa de gás de 12 quilos a 2017 Esc. Há bolso que aguenta?
As energias renováveis podiam, perfeitamente, ter escapado a esta onda de falhanços. Mas não! Quando as coisas são feitas com pouca transparência ou em cima do joelho, dão sempre pelo torto. Vejamos!
Primeiro, nunca foi apresentado um plano de actuação neste domínio, com definições claras das prioridades. Começar-se-ia pela eólica? Ou com a solar em paralelo? Dever-se-ia dar prioridade às pequenas ou grandes escalas? E as outras renováveis (geotermia ou oceanos)? Enfim, faltou um verdadeiro plano para as renováveis.
Por isso, os avanços e recuos foram uma constante. Começou-se a falar das eólicas. Depois, veio a distribuição de lâmpadas de baixo consumo (supostamente uma medida de eficiência energética). Regressou-se às eólicas. Lembrou-se, depois, da solar fotovoltaica. Ignorou-se por completo a solar térmica. De repente, e sem nenhum critério lógico, choveram projectos, carregados de muitas dúvidas técnico-económicas, sem concurso público e “negociados” a preços astronómicos.
Este governo, um dia vai ter de explicar a súbita mudança para as fotovoltaicas, quando havia ainda alguma margem para se continuar a apostar naquela que é a tecnologia mais eficiente e económica para Cabo Verde: a eólica. Uma justificação pareceu-me óbvia: sabendo de antemão que os caros parques eólicos não entrariam em funcionamento antes do final do mandato, e para que não ficasse na história como o governo que não conseguiu sequer ligar 1 kW de renováveis a rede eléctrica, foi buscar um outro projecto, que apesar de mais caro e extemporâneo, era de mais fácil execução.
Para o governo, não interessou que a tecnologia fosse ou não prioritária. Não interessou a eficiência. Não interessou os € 30 milhões para 7.5 MW de potência solar (4 vezes mais caro que o MW eólico). Nem tão-pouco o endividamento de todos nós. Preocupou-se única e exclusivamente com o apresentar de obras. Com os votos. Mais nada!
Mesmo nascendo de projectos duvidosos e tortos, o que conta é que as centrais vão estar ai, mais tarde ou mais cedo, e pagos pelos nossos bolsos. No meio disto tudo, pelo menos as empresas (tecnologias) que estão por detrás dos projectos (VESTAS nos parques eólicos e MARTIFER nas centrais fotovoltaicas) dão uma certa garantia. Sou um fervoroso defensor das renováveis, mas confesso que tenho algumas dificuldades em aplaudir estes dois projectos. Por isso, digo: nem nas renováveis este governo conseguiu acertar.
Mas, não são só as falhas destes dois projectos. Esta década de governação “esqueceu”, também, as outras renováveis. A solar térmica para aquecimentos de águas e a solar fotovoltaica para pequenas e médias escalas são duas boas opções que nem sequer foram equacionadas.
Também, a década “esqueceu” da introdução da telecontagem e da eficiência energética (nos edifícios e construção civil). A única iniciativa, que eu me lembro, foi a distribuição de lâmpadas de baixo consumo: mais uma medida avulsa!
É inevitável, em Cabo Verde, falar da energia e esquecer a água, quando todos sabemos que quando os interruptores falham, as torneiras vêm a seguir. Por isso, o precioso líquido chegou raras vezes às torneiras das pessoas. E nessas poucas vezes, foi quase sempre em péssimo estado e impróprio para consumo. A cor amarelada foi a tónica dominante.
Causas desta penúria: muitas! Mas, destaco duas: as perdas nas redes obsoletas e a insuficiente capacidade instalada. Em 2009, as perdas de água atingiram 35,3% (1.603.761 m3), o suficiente para abastecer a Cidade da Praia. Em termos de demanda, S. Vicente é um caso paradigmático: a demanda (5000 m3) chegou a ser muito superior à capacidade instalada (3200 m3).
Também, as taxas de cobertura das redes de água registaram valores preocupantes. Vejamos o caso da Boavista, uma das “jóias turísticas”: só 27% da ilha estará coberta até finais de 2010 (dados: Electra). Pergunto: há algum turismo que resista a isto?
Reconheço: houve, também, ganhos neste domínio. Enquadrados, na minha opinião, mais na nossa diplomacia económica, do que na política enérgica, destacaria o “trazer” para Cabo Verde do “Centro Regional para as Energias renováveis e Eficiência Energética da CEDEAO” e a nossa entrada na “Agência Internacional para as Energias Renováveis”. Acredito que poderão ser um bom élan à promoção da investigação neste domínio do saber, ou quiçá (para sermos mais ambiciosos) à transformação de Cabo Verde num “laboratório” de energias renováveis.
A concentração das produções (projectos da centrais únicas) e a ligação às redes únicas de transporte nalgumas ilhas (Santiago, Fogo e S. Antão) poderiam ser grandes ganhos, se não fosse o grande atraso no arranque e conclusão dos projectos.
A electrificação rural (pelos vistos a única bazófia desta década de governação) foi, sem dúvida, um ganho. Mas, convêm esclarecer alguns aspectos. Primeiro, em 2001, quando este governo tomou conta do país, a taxa de ligação às redes eléctricas atingia o valor de 57,8%. Em finais de 2009 era de 87% (relatórios da Electra).
Segundo: apesar de reconhecer a importância da electrificação rural na qualidade de vida das populações remotas ou no combate à pobreza, não podemos esquecer que a “electrificação urbana” (leia-se, upgrade da rede de distribuição dos grandes centros) foi completamente ignorada, apesar de ser onde se situam os principais serviços e indústrias, os verdadeiros viveiros de empregos.
Ou seja, se atendermos a estes dois aspectos (o trabalho já estava “meio feito” e o não upgrade da rede distribuição dos grandes centros urbanos), não se pode considerar a electrificação rural um ganho extraordinário.
Mas, convenhamos: só estes três ou quatros ganhos são manifestamente poucos para dez anos de governação, quando comparados com o número de falhanços.
Podíamos elencar mais falhanços desta década. No entanto, e para rematar, diria que a grande falha foi a não definição de uma POLÍTICA ENERGÉTICA com cabeça, tronco e membros, o tal elo de articulação entre a energia e os outros sectores (os grandes consumidores) da economia (a indústria, os transportes, a construção civil ou o turismo).
Esta década ficará, indubitavelmente, conhecida como a década dos pesadelos, sendo a energia o maior de todos. Por isso, acredito que, daqui a dez anos (2020), quando estivermos a fazer o balaço da década de governação do MpD, e recuarmos uma década atrás até os tempos de hoje (2010), e lembrarmos dos apagões, dos podogós, das velas, do barulho dos motores, das perdas e roubos de energia, das facturas da luz e água, do preço de gasolina, da seca das torneiras, da água amarelada, do frigorífico descongelado, do peixe e da carne deitado fora, da água (de caramulo) e da cerveja quente, com certeza vamos todos dizer que, afinal, aquele slogan era mesmo verdade: STA MESTEBA MUDABA MÊ!
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