segunda-feira, dezembro 27, 2010

DECLARAÇÕES DE NEVES: GAFE OU IRRESPONSABILIDADE?


Com uma excelente radiografia introdutória feita por um dos grandes conhecedores e estudiosos do nosso sistema educativo, Doutor Corsino Tolentino, o último “Conversa em Dia”, que contou com um painel de luxo (só um pequeno reparo, se não me levar mal, cara Rosana: faltou a presença de um representante dos estudantes), tentou esmiuçar e desmistificar a tão propalada falta de qualidade do nosso ensino superior.
Entretanto, a certa altura, como era expectável, o programa redundou num outro subsistema: o ensino secundário. O diagnóstico foi: o principal problema começa logo à nascença, ou seja, os nossos liceus não andam a “fabricar” bem os nossos “candidatos a doutores e engenheiros”. Discutível? Creio que sim.
No entanto, nada justifica algumas reacções, no mínimo, irresponsáveis de algumas pessoas. Estou-me a referir àquelas do senhor Primeiro-ministro, José Maria Neves e do senhor Ministro da Educação e Desporto, Octávio Tavares. A forma como os recém-promovidos a professores universitários vieram a público defender o indefensável é inadmissível. A verdade dói mas não vale a pena tentar escondê-la. É pior!
Deviam, isso sim, admitir as nossas fraquezas. Alguma humildade só lhes (e a todos nós, por tabela) ficava bem. Não! Preferiram tentar esconder o que todo o mundo vê. Pior é que não podiam tê-lo feito da pior forma: comparar duas realidades completamente diferentes, como são as de Cabo Verde e dos Estados Unidos.
Foi o que fez o senhor Primeiro-ministro quando disse que os nossos estudantes saem do ensino secundário mais bem preparados que os do “high school” (equivalente ao nosso secundário) dos Estados Unidos. Caro leitor, pode acreditar no que escrevi e que acabou de ler. José Maria Neves disse mesmo isto (pelo menos até agora não acusou ninguém de vídeo-montagem): que somos melhores que os Estados Unidos da América. Se o assunto não fosse tão sério, confesso que me ria.
Bastava terem admitido que o nosso sistema não é assim tão perfeito e que tem algumas lacunas. Que precisamos de algumas melhorias, principalmente a nível do ensino do Português e da Matemática. Já agora, esses senhores deviam explicar ao país por que é que no concurso para atribuição de bolsas para o Japão, dois dos nossos melhores estudantes tiraram a nota de ZERO a Matemática.
Não quero ser redutor com este último exemplo. Acredito que esses alunos até são bons. Se calhar, faltou-lhes alguma preparação antes da prova. Diz-se que, na Matemática, “dois e dois são quatro”. Nem sempre: às vezes são vinte e dois. Um aluno que sai do secundário e que vai entrar para a universidade, tem que ter um raciocínio deste género. Não pode só decorar. Tem que ter esta capacidade de fazer leituras em várias perspectivas. Tem que saber pensar, e rápido. São, às vezes, pequenas “manhas” (chamemo-las assim) deste tipo que um estudante enfrenta no ensino superior e tem dificuldades em dar a volta. Quem já lá andou, sabe do que estou a falar.
Reitero: não quero colocar o nosso sistema educativo (do qual também faço parte) na cauda da tabela, pois o problema da matemática ou da iliteracia é hoje uma discussão mundial. Contudo, virem gabar-se que somos o melhor do mundo é um exagero de todo o tamanho que, aliás, exige uma grande irresponsabilidade. Mas, parece que sempre há gente com esta “qualidade”.
Depois de mais uma trapalhada, o Dr. José Maria Neves vai ter de se explicar como é que terá chegado a tão brilhante conclusão, apresentando dados, números ou experiências que suportam a sua afirmação, caso contrário, só lhe restará dois caminhos: admitir que foi uma gafe ou uma irresponsabilidade.
De uma vez por todas, é necessário que comece a haver alguma ponderação e honestidade intelectual nas nossas análises, sobretudo quando desempenhamos cargos de alguma responsabilidade. Temos que começar a suportar as nossas afirmações em dados concretos e científicos, e não no mero “olhómetro” ou “achómetro”.
Nestes últimos dez anos, José Maria Neves já nos habituou a declarações bombásticas e irresponsáveis. Contudo, e por se tratar de um tema tão sério e sensível, considero esta a mais grave de todas. Por isso, deixo um apelo ao Sr. PM: tente conter mais as suas palavras e as suas emoções, já que só faltam mais seis meses para que tudo isto acabe. O país não suportaria jamais virar motivo de chacota. Faça isto, por favor, senhor Primeiro-ministro!

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