segunda-feira, dezembro 27, 2010

RENOVÁVEIS: A VERDADE DOS NÚMEROS


A unanimidade e o consenso generalizado em torno das renováveis parecem ter os seus dias contados: é que já começaram a surgir as primeiras vozes críticas em relação aos projectos dos parques eólicos e das centrais solares fotovoltaicas.
Primeiro, foi o vice-presidente do MpD e deputado, Eng. Jorge Santos, a fazê-las em pleno parlamento. Depois, a Adeco na pessoa do seu presidente, Eng. António Silva. Agora, foi a vez do Eng. António Monteiro, líder da UCID e deputado da nação, vir engrossar a lista de criticas. Uma coisa foi notória em todas as intervenções: foram feitas de uma forma construtiva, responsável, bem sustentada e, sobretudo, em defesa do interesse público.
Estranhamente, porém, não houve, até agora, nem da parte da tutela e nem da Direcção Geral de Energia (DGE), duas entidades com responsabilidade em todo o processo, qualquer contraditório, não obstante as muitas gravidades subjacentes às críticas.
Ora, sendo um assunto de tamanha importância, que já provocou alguma mossa e começa a dividir a classe politica, quiçá a sociedade cabo-verdiana, justifica-se uma breve e responsável análise sobre os projectos, com enfoque na questão dos números.
Este escrito, na forma de dados, factos e interrogações, é a maneira que encontrei para contribuir modestamente para o debate. Contudo, antes de o fazer, quero deixar aqui algumas ressalvas.
Primeiro, dizer que não quero pôr em causa nem a competência técnica nem tão-pouco a honestidade das pessoas envolvidas no processo, sobretudo, dos técnicos da DGE que me merecem a maior consideração.
Segundo, não está em causa a mais valia das tecnologias renováveis. Aliás, continuo a defender fervorosa e apaixonadamente as renováveis como umas das soluções para a crise energética que assola, há muito, Cabo Verde.
Terceiro, sobre as empresas que vão executar os projectos. Salvo a questão da adjudicação directa (não culpa das empresas, claro!), não tenho dúvidas: estamos bem entregues.
Basta ver que a dinamarquesa VESTAS é o “número um” (tem 20% de mercado) do sector eólico. Usa tecnologia de ponta. As turbinas de velocidade variável que vão usar em Cabo Verde, são hoje as mais indicadas e utilizadas: trazem mecanismos de protecção (ex: o crowbar que actua em caso de correntes elevadas, desligando o conversor electrónico do rotor) e de controlo (ex: o pitch control que permite captar o máximo de energia do vento através de um regulação do ângulo das pás da turbina).
Por seu lado, a portuguesa MARTIFER, responsável pela construção das centrais solares fotovoltaicas, tem uma forte presença e boa reputação no mercado internacional fotovoltaico (projectos nos EUA, Itália, etc).
Posto isto, centremo-nos no cerne da questão: os números e as prioridades. À primeira vista, os projectos parecem estar carregados de muitas dúvidas. De muita confusão. Senão, vejamos:
O PREÇO NEGOCIADO DOS PARQUES EÓLICOS FOI ELEVADO?
Os quatro parques eólicos (28 MW de potência instalada) estão orçados em € 71 milhões, segundo a senhora ministra do Turismo, Indústria e Energia [1]. Agora, na apresentação do projecto, fala-se em € 65 milhões [2]. A INFRACO, no seu sítio na internet [3], estima-os em USD 84 milhões (€ 60 milhões).
Ou seja, uma diferença de valores na ordem de € 11 milhões. Ora, pergunta-se: Afinal, em qual destes números devemos acreditar?
Admitindo o valor intermédio (€ 65 milhões), quer isto dizer que cada MW vai custar € 2.3 milhões: MUITO CARO! Senão vejamos!
Primeiro, vamos supor um cenário razoável: que o contrato fora assinado há 1 ou 2 anos. Se recuarmos a esse tempo, o MW eólico era negociado a € 1.23 milhões [4]. Quer isto dizer que o valor fora contratado 87% MAIS CARO!
Agora, vamos admitir um outro cenário, ainda pior: que o contrato foi assinado neste presente ano de 2010. Hoje, o MW eólico custa € 1,05 milhões [5]. Neste caso, estaríamos a falar dum preço 120% MAIS CARO!
Só para se ter uma ideia, se o projecto fosse negociado a € 1 milhão por MW (valor actual), gastaríamos € 28 milhões. Pouparíamos, assim, € 32 milhões: chegariam para construirmos mais 32 MW de parques eólicos.
Uma pequena nota: os valores aqui apresentados derivam, na sua maioria, de projectos feitos na Europa, nos Estados Unidos ou na Ásia. Mas, também, os projectos de alguns países sul-americanos e africanos entram nestas estatísticas (basta ler os relatórios).
Isto vem a propósito de um argumento usado pelo líder do PAICV de S.Vicente, Dr. João do Carmo, que já veio a público defender os projectos. Usou o argumento de “preços especiais para África” e, creio eu, do parque eólico de Tânger, Marrocos. Entendo e respeito o argumento. Contudo, não faz sentido a comparação. Vejamos.
O parque de Tânger, com uma potência instalada de 140 MW (o maior de África), custou € 250 milhões. Ou seja, € 1.7 milhões/MW. Até aqui, tudo bem.
Tudo bem, se o senhor JC tivesse dito a verdade toda. Primeiro, “esqueceu-se” de dizer que o projecto não é de hoje e que fora negociado há três anos (2007). Aliás, já deixou de ser um projecto pois a inauguração do parque aconteceu em Junho passado. Segundo, o projecto não inclui só as 165 turbinas eólicas, mas também uma rede subterrânea, 60 km de valas de cabos, uma subestação 33/225 kV e quatro estações de medição de vento [6].
Ou seja, fazer esta comparação é estar a confundir a estrada da Beira com a beira da estrada: não tem nada a ver uma coisa com a outra. No entanto, um facto é indesmentível : o projecto, mesmo assim, ficou mais barato que o nosso.
Para vermos que este argumento de “preço especial para África” não faz sentido nenhum, deixo o exemplo de um outro projecto africano. Refiro-me a um projecto do Quénia, de 310 MW (vai ser o maior do nosso continente), orçado em € 290 milhões (US$ 408 milhões) [7]: Ou seja, € 0.94 milhões por MW (menos de €1 milhão por MW).
Podia dar mais ene exemplos de diferenças de valores. Isto para dizer que cada caso é um caso: depende da potência (economia de escala) que está em jogo, da tecnologia, do ano da negociação do contrato ou da capacidade negocial.
Todavia, há balizas de preços. E, sinceramente, não conheço casos de projectos com valores fora do comum e tão astronómicos como os de Cabo Verde.
Voltemos aos projectos em análise. Outro pormenor é a discutibilidade da escolha das máquinas V52-850 kW Wind Turbine [8]. Sem descurar a questão da estabilidade da rede ou da logística (dimensão das máquinas versus porto de descarga), com a opção por turbinas de maior potência (p.e., 2 MW em vez das de 850 kW) poder-se-ia poupar 20 a 30%. São mais 5 a € 8 milhões! Pergunta-se: foi estudada esta hipótese?
A SOLAR FOTOVOLTAICA É UMA BOA OPÇÃO ECONÓMICA A CURTO PRAZO?
Os dois parques solares fotovoltaicos (7.5 MW de potência instalada) custam € 30 milhões [9]. Ou seja, € 4 milhões por MW (4 vezes mais caro que o MW eólico). A opção eólica custaria € 7.5 milhões (poupança de € 22.5 milhões!).
Outro ponto negativo do fotovoltaico: o kWh de electricidade é caro: 12 a 24 escudos (15 a 30 cents USD). Todavia, o eólico custa 4 a 7 escudos (5 a 9 cents USD) [10].
No entanto, e por incrível que pareça, mesmo mal negociado (a eólica) ou mal escolhida (a fotovoltaica), as duas renováveis continuam a ter preços de kWh competitivos com a tecnologia tradicional (diesel ou fuel) usada nosso país. Só para se ter uma ideia, em Cabo Verde, a tarifa de vendas de electricidade é de 26.41 escudos/kWh [fonte: Electra].
A SOLAR FOTOVOLTAICA É UMA BOA OPÇÃO TÉCNICA A CURTO PRAZO?
Primeiro aspecto: tem uma baixa eficiência (7 a 18%) [10], por conseguinte, o rácio (electricidade produzida/custo investimento) é muito baixo.
Segundo aspecto que não sustenta a opção solar: a taxa de penetração (TP). Vejamos o exemplo de Santiago. Praia tem, hoje, 32 MW (Palmarejo-26 MW+Gamboa-5 MW+Eólica-0.9 MW). Com o reforço dos 22 MW (central Palmarejo), a interligação de Santiago à rede única e a desactivação das centrais do interior, a potência vai chegar aos 54 MW (concentrada na Praia) [fonte: Electra].
Com a integração de 10 MW eólico, a ilha de Santiago terá 64 MW. Ou seja, a taxa de produção da eólica será de 15%. Com o estado-de-arte (além dos mecanismos de protecção e de controlo dos aerogeradores, os backups térmicos de segurança também fazem parte do projecto) a taxa de penetração das eólicas pode chegar aos 20-30%, valor aceitável em várias bibliografias técnicas [11].
Quer isto dizer que havia, ainda, alguma margem para aumentar a potência instalada só pela via eólica (pelo menos ir até 20-25%) antes de se optar pela solar fotovoltaica.
Não é por acaso a reprovação desta opção feita por algumas entidades insuspeitas do sector. Por exemplo, há tempos, a Associação de Energias Renováveis e a Sociedade Portuguesa de Energia Solar, duas entidades portuguesas, desaconselharam a aposta na fotovoltaica em grande escala, e afirmaram que “a solução passa por diversificar as utilizações dos painéis, em explorações agrícolas, hotéis, escolas e outros edifícios públicos” [12].
Pergunta-se: para a ilha de Santiago, não se devia optar por 15 MW eólico em vez de 10 MW eólico+5 MW fotovoltaica?
A ESTIMATIVA DA EMISSÃO DO DIÓXIDO DE CARBONO FOI BEM FEITA?
É fundamental que este ponto seja bem explicado pois dele dependerá o valor final do custo de produção de energia (kWh eólico). Não podemos esquecer dos dividendos com as possíveis vendas de créditos a outros países.
A DGE disse que “só com os parques eólicos, sem contar com os fotovoltaicos, vai evitar-se a emissão anual de mais de 12.000 toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera”. Parece-me um valor muito baixo. Vejamos!
Um estudo de 2008 [13] estimou essa redução em quase 95 mil (94,990) toneladas por ano. Usou um factor de emissão médio (FEM) de 750 g CO2/kWh. Pareceu-me, porém, muito optimista.
Entretanto, se formos ver recentes relatórios de vários organismos, a estimativa do FEM baixa um pouco. Por exemplo, o relatório [14] diz que “1.67-MW turbine would produce over 5,000 MWh of electricity per year and reduce CO2 emissions by over 3,000 tons”. Ou seja, um FEM de 600 g CO2/kWh: mais conservador.
No entanto, para este raciocínio, tomemos, como referência, o valor intermédio da European Wind Energy Association [15]: 2.5 MW pode produzir mais de 6 milhões de kWh por ano e o FEM é de 666 g CO2/kWh.
Assim sendo, os 4 parques eólicos de 28 MW produzirão mais de 67 milhões kWh de electricidade e reduzirão 45 mil toneladas de CO2. Ou seja, um número 4 vezes maior do que a estimativa da DGE (12 mil). Vendido ao preço de € 22.6/ t de CO2 [15], estaríamos a falar de uma mais valia de € 1,017 mil por ano.
Não sei se estes números legitimam ou não algumas dessas vozes críticas. Se calhar sim. Mas, sinceramente, a minha real intenção foi outra: contribuir para a clarificação do debate . Ou seja, para a verdade dos números.
Contudo, reitero, mais uma vez, a importância do contraditório, pois até agora só ouvimos um dos lados dos números. Inclusive a “minha verdade”, aqui apresentada, não pode ser vista como absoluta, pois para se analisar os projectos mais a fundo, seriam necessários mais dados concretos.
Por isso, um esclarecimento da DGE e do governo, com apresentação pública e colocação no sítio da net do governo (já agora, por que é que a DGE não tem um sítio na net?) de todo o dossier é fundamental. Acabaria, de vez, com toda esta confusão, com toda esta dança dos números.
Não podem continuar mais calados pois o silêncio poderá ser, legitimamente, interpretado como um sinal de “quem cala consente”.Se, o negócio foi bem feito e com total transparência, as pessoas não devem ter nada a temer.
No entanto, se se vier a provar que, de facto, os contratos foram lesivos para o Estado de Cabo Verde, a renegociação dos mesmos terá que ser equacionada.
A bola, agora, está do lado da DGE e do Governo. Resta-nos esperar por alguma explicação. No fundo, no fundo, os cabo-verdianos só pedem uma coisa: a verdade.
Se isto for feito, não tenho dúvidas: as energias renováveis, o nosso “petróleo”, continuarão sempre a ser motivos de união.
Até breve!
Luís Teixeira, luisteixa@yahoo.com, doutorando em energias renováveis, China
Referências
2.     www.asemana.publ.cv/spip.php?article56712&ak=1
3.     Infraco, www.infracoafrica.com/projects-capeverde-cabeolicawind.asp
4.     The Economics of Wind Energy, European Wind Energy Association
5.     Report by Bloomberg New Energy Finance, International Energy Agency
8.     www.glyndebourne.com/documents/articles/324/Vestas%20-%20Elec%20Spec.pdf
9.     Martifer, www.martifer.pt/Group/PT/News/20100106CaboVerde.pdf
10.   Renewable 2010, Global Status Report, REN21, Renewable Energy Policy Network for the 21st Century
11.   Issues of Connecting Wind Farm, http://ieeexplore.ieee.org/xpls/abs_all.jsp?arnumber=1547160
13.   Project Design Document Form, United Nations Framework Convention on Climate Change
14.   Wind Power and Climate Change, www.awea.org/pubs/factsheets/Climate_Change.pdf
15.   Wind energy basics, European Wind Energy Association, www.ewea.org/index.php?id=1884

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