sexta-feira, maio 06, 2011

OS NOVOS DESAFIOS DAS RENOVÁVEIS EM CABO VERDE


 
“Uma vida sem desafios não vale a pena ser vivida”, Sócrates
Já se passou uma semana desde a aprovação, no parlamento, do programa do governo para o novo quinquénio (2011-16). As renováveis, como um dos eixos estratégicos da política energética, continuam com presença garantida, o que, aliás, não constitui surpresa nenhuma.
No terreno, entretanto, as 33 turbinas eólicas do projecto “Cabeólica”, que estão a ser erguidas em quatros ilhas (Santiago, Sal, S.Vicente e Boavista), vão começar a injectar potência na rede, a partir do segundo semestre de 2011, segundo o governo. Se juntarmos os 7.5 MW de potência solar, distribuídas pelas centrais da Praia e do Sal, significa que estamos muito próximo do limite técnico máximo (25-30%) da taxa de penetração das renováveis na rede.
Estes números (carecerão, mais tarde, de confirmação) poderão, também, indiciar o alcançar do primeiro grande objectivo (25/2011 - 25% de renováveis em 2011) proposto por este executivo, não obstante algumas dúvidas que carrega este primeiro grande pacote, nomeadamente o elevado preço negociado da eólica e a não consensual escolha pela fotovoltaica.
Garantido o primeiro desiderato (25/2011), o governo vira, agora, as suas baterias para o segundo objectivo, este já mais ambicioso e difícil: 50/2020 - 50% de taxa de penetração de energias renováveis em 2020.
Voltando ao programa, a opção pela integração, cada vez mais, de centrais à base de fontes renováveis no parque produtor eléctrico parece “quase” consensual. O “quase” é justificado, em parte, pela posição recentemente assumida pelo PCA da Electra a propósito deste tema. Mas, pela forma como os combustíveis têm comportado nos mercados internacionais, sempre com reflexos imediatos no preço dos bens de primeira necessidade (luz, água ou pão), aliado ao seu elevado peso no nosso orçamento e balança comercial, continuar a desperdiçar o melhor que temos (sol, vento, mar e geotermia), creio que não faz sentido nenhum.
Mas, se a escolha pelas renováveis parece óbvia, já o seu anúncio pecou por uma omissão: o governo não disse como é que os projectos vão ser implementados. Dito doutra forma: o governo disse que vai fazer mas não disse como vai fazer. Faltou o “como”, como alguém disse há dias.
Não chega só definir uma (ambiciosa) meta. Não basta só dizer que vamos ter uma ilha (parece que a Brava foi a escolhida) 100% renovável. Temos de dizer como vamos fazer. Precisamos explicar a estratégia: quais as prioridades (curto, médio e longo prazo). Acredito que o governo já sabe (se não, já devia) como é que vai implementar este ambicioso pacote renovável, todavia, propositado ou não, preferiu não o dizer. Porquê? Não faço a mínima ideia.
Entretanto, podemos tentar “adivinhar” a solução que o governo tem na manga. Antes, porém, é preciso saber o que está em causa: conhecer o grande desafio que nos espera.
Tomando a década (2011-20) como baliza, a meta do governo (50/2020) e o estudo da demanda (diz que chegará aos 300 MW até 2020-25) feita pela consultora Simonsen, quer isto dizer que estamos a falar de, mais coisa menos coisa, 150 MW de potência instalada de renováveis até 2020. A great challenge, no doubt!
Ora, impõe-se a pergunta: como consegui-lo? Foi esta a pergunta que o governo não respondeu no debate, mas, terá que a responder, mais cedo ou mais tarde. Adiante.
Façamos uma análise das opções que temos em cima da mesa. Tem em conta as nossas potencialidades, são claras as nossas escolhas: eólica, solar, ondas e geotermia. Contudo, em função do estado-de-arte, dos (parcos) recursos e das necessidades imediatas do país (o mais urgente é acabar com os apagões), será mister fazer uma diferenciação clara das prioridades: em que tecnologia é que se vai apostar a curto, médio e longo prazo.
Começando pelas ondas e geotermia, só as vejo a entrar para as nossas contas daqui a uns bons pares de anos. Para a década em questão (2011-20), creio que são cartas fora do baralho. Porém, é fundamental que continuem a merecer uma especial atenção no campo da nossa investigação.
Vamos à solar. Aqui temos que diferenciar a térmica da fotovoltaica. A térmica (ex: painel solar para aquecimento de água), como não envolve produção de electricidade, não conta. A fotovoltaica em pequena escala (bombas solares para rega, candeeiros solares para iluminação publica ou zonas remotas), não estando ligado a rede (off-grid), não entrará, também, nestas contas. Porém, tanto a térmica como a fotovoltaica em pequena escala, além de serem um excelente complemento à implementação de uma politica “verde’, podem dinamizar um novo nicho de mercado das renováveis para as pequenas empresas.
Falta a solar fotovoltaica em grande escala e ligado à rede (on-grid). Alguma imaturidade e o elevado preço ($/Wp) actual da tecnologia não aconselham, para já, o seu uso. Dir-me-ão: mas já temos parques desses. Sim, mas, na minha modéstia opinião, foi um erro. Contudo, creio que não vale a pena bater mais nesta tecla, mas, sim, tentar tirar o máximo proveito dessas centrais.
Finalmente, a eólica, sem dúvida, a melhor solução de todas. Hoje, a tecnologia já é suficientemente madura e eficiente. No entanto, tem um único senão: o limite técnico de taxa de penetração. Esta limitação, como é bem sabido, advém do facto da energia eléctrica produzida pelos aerogeradores serem irregulares (tensão e frequência) pois o “combustível” vento é imprevisível e intermitente. Injectar mais do que a rede suporta, mormente nos casos de redes fracas e obsoletas como a nossa, é correr riscos de blackout: a solução transformar-se-ia num problema. Perguntar-me-ão: e então? Como dar volta a esta situação? Que soluções?
Primeira hipótese: recorrer aos sistemas compensadores de potência (ex: STATCOM - Static Compensator ou SVC - Static Var Compesator). Contudo, estamos a falar de técnicas que garantem pequenos incrementos da taxa de penetração. Depois, temos os custos extras. Só para se ter uma ideia, os STATCOMs custam à volta de US$ 50/kVAr.
Segunda hipótese: usar sistemas de armazenamento de energia. As baterias, os volantes, os compressores, ou as pilhas de combustível são alguns exemplos. No entanto, para aplicações em grande escala, estas opções continuam a ter alguns inconvenientes. Por isso, creio que não serão escolhas.
Mas, existe um sistema de armazenagem muito eficiente: a hidrobombagem. Poderão ser a “nossa salvação”? Nos dias de hoje, é, talvez, a melhor forma de harmonizar a contribuição das energias renováveis e não despacháveis, como é o caso da eólica.
O princípio do funcionamento é simples. Precisa de dois reservatórios de água a diferentes altitudes. A água, primeiro, é armazenada a determinada altitude (reservatório a montante) onde ganha energia potencial, e quando esta cai, por efeito gravítico, acciona as turbinas hidráulicas, convertendo a energia potencial em trabalho mecânico, e, finalmente, em electricidade através de um alternador.
No fundo, o sistema final junta a hídrica e a eólica, formando um sistema híbrido eólico-hídrico. As duas centrais (hídrica e eólica) funcionariam em conjunto nas pontas (picos de consumo) sem flutuações, injectando energia na rede. No entanto, nos períodos de vazio (à noite, por exemplo) o excesso de electricidade da eólica seria utilizada para bombear água desde o depósito inferior até ao superior.
A implementação deste sistema implica existência de reservatórios de água com diferenças de cotas considerável. E como conseguir esses reservatórios de água? Lagos naturais, águas pluviais ou água salgada do mar. Mas sabendo que, em Cabo Verde, a água doce é um bem escasso e a chuva uma coisa rara, a água salgada do mar poderá ser uma boa opção.
Neste caso, a água do mar seria bombeada para o reservatório superior (na terra) e o mar funcionaria como reservatório inferior. No canal (tubagens), que liga os dois reservatórios, será necessário introduzir, pelo meio, turbinas (ponto de produção electricidade) e bombas (ponto onde se consume electricidade para bombear água). Um pormenor: os sistemas ligados ao mar têm uma vantagem - só precisa de ser construído um reservatório.
Mas, e a questão do “custo” ambiental? Há um trabalho académico que faz uma “comparação entre o uso de água doce e de água salgada na ilha de São Miguel” e que diz que “apesar de existirem certos impactes ambientais o projecto de armazenamento energético por bombagem de água salgada mostrou ser uma mais-valia a curto, médio e longo prazo na evolução para um desenvolvimento sustentável da ilha de São Miguel” [Pereira, 2009].
Entretanto, a hidrobombagem não é um caso virgem no mundo. Temos já alguns casos de sucesso como o da ilha El Hierro (Canárias): tudo indica que será, em 2012, a primeira ilha do mundo “100 % renovável”. Para se ter uma ideia, o custo total do projecto é de 65 milhões de Euros: 11 MW de eólica, 11 MW de hídrica, hidrobombagem (bombas, escavação de tanques, linhas de 700 metros na vertical, tubagens, etc.) e uma central de dessalinização de água do mar. Esta central mista, que ficará pronta em 2012, terá uma autonomia máxima de quatro dias sem vento.
Tudo isto parece bonito mas cada caso é um caso. Por isso, a sua viabilidade técnico-económica em Cabo Verde dependeria, sempre, de estudos aprofundados, mormente da orografia. Depois, são projectos que exigem duas coisas que não temos: dinheiro e know-how suficiente. Logo, a sua materialização implicaria, sempre, o apoio dos nossos parceiros: Alemanha, Portugal, Dinamarca, Espanha e, claro!, China.
Posto isto, perguntar-se-á: a opção do governo vai recair nas centrais híbridas eólica-hídrica com bombeamento de água? Será esta a solução que o executivo tem na manga? Talvez sim, talvez não! Mas, como estamos a falar de megaprojectos que exigem uma grande prudência antes de qualquer decisão, teremos que esperar pelo anúncio do governo. Mas terá que ser feito o mais rápido possível, pois só assim é que este iria a tempo de conseguir envolver todos os outros actores políticos. O executivo não pode ignorar este facto: o desafio que aí vem exige esta envolvência.
No entanto, para que isto aconteça, ao governo é pedido mais humildade. Não pode fazer como da última vez, onde não deu cavaco a ninguém. A oposição, o mesmo espírito aberto. Aqui não falo só do MpD, o maior partido da oposição, que já mostrou ter propostas concretas e credíveis neste domínio (basta ler o seu último manifesto eleitoral). A UCID também. Quem vê o à-vontade e o conhecimento que o seu líder tem demonstrado publicamente sobre este assunto, não pode duvidar da importância deste partido.
Aproveitando o momento, diria que não é só a Cultura que precisa de um pacto. A Energia também. Pode até não ter música ou poesia para oferecer, mas tem apagões que se farta. Por isso, juntemos as nossas forças. Mas, o governo precisa dar este primeiro passo: explicar tim-tim por tim-tim o que vai fazer e, sobretudo, como vai fazer. Depois, pode, legitimamente, passar a bola aos partidos da oposição. Estes, por sua vez, dirão se estão, ou não, de acordo. Em caso de não, terão que apresentar alternativas.
Com o envolvimento e comprometimento de todos nos projectos, desde a escolha dos parceiros e das tecnologias, passando pelas negociações do contrato até à execução das obras, o sucesso estará garantido. Mas, sem consenso não faz sentido avançar com novos projectos. Não vale a pena, pois estaremos a hipotecar, ainda mais, o futuro do país.
Depois dos primeiros passos dados na “década de noventa” no domínio das renováveis, tudo indica que Cabo Verde vai atingir o seu primeiro grande patamar. Porém, vem já aí um outro, só que mais alto: chegar aos 50% de renováveis na rede e ter uma ilha “100% renovável”. Conseguiremos lá chegar? Eu quero querer que sim.
Até breve!

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