Tirando o baile dos 5-0 que o Porto deu ao Benfica, nos últimos dias, em Cabo Verde, não se falou em mais outra coisa, senão das sondagens. O que temos assistido é um autêntico “bombardeamento com sondagens”, já um (mau) hábito de vésperas de eleições. É a nova arma de propaganda política. Dos fracos.
É sempre assim: com o aproximar das datas das eleições, as chamadas “empresas de sondagens” começam a surgir, do nada e em catadupa. Inclusive, até há os que vêm de fora, desembarcando, quase sempre, das mesmas proveniências.
Curioso, ou talvez não, é que passadas as eleições, muitas dessas “empresas” desaparecem, misteriosamente, e só voltam a dar sinais de vida num outro pleito qualquer. Faz lembrar, perdoem-me a imagem, os festivais. Na véspera, os festivaleiros montam as barracas. Findo, desmontam-nas e partem para outras freguesias.
As sondagens, decididamente, descredibilizaram-se no nosso país. Já ninguém mais acredita nelas. Até já há para todos os gostos: maiorias absolutas, qualificadas, empates técnicos, goleadas, chitadas, etc. Basta pedi-las, ou melhor dizendo, comprá-las. Já parece quando vamos ao restaurante e escolhemos entre “um bife bem ou mal passado”.
Mas, mais: existem, também, para várias cores (só falta a bandeirinha e o logótipo). As “amarelas” são as que trazem mais farturas: só falam em goleadas atrás de goleadas.
Sei que custa admiti-lo, mas o cenário no nosso país, infelizmente, é este. As ditas “empresas” parecem preocupadas com uma única coisa: ganhar dinheiro. Mais nada. Podemos chamá-las de empresas? Não: são autênticas “fábricas” de sondagens, isso sim.
Sei que algumas pessoas vão dizer “lá vem ele com o exemplo do que se passa lá fora”. Mas, é verdade: lá fora, as sondagens são feitas em todo o ano e por empresas credíveis (muitas delas centros de pesquisa de universidades).
Quando ouvimos ou lemos uma sondagem, por exemplo, da Católica, da CNN ou da BBC, nem por um segundo ou um milímetro sequer atrevemos a suspeitar dela ou apontar-lhe o dedo. Porquê? Por causa destas palavras-chave: profissionalismo, seriedade, cientificidade e credibilidade.
Mesmo assim - quando feitas de uma forma séria e verdadeira - as sondagens não são o garante automático de vitória. Elas valem o que valem. Espelham a vontade no preciso momento. E só isto e mais nada.
Em fracção de segundos, tudo pode mudar. Lembro-me de um caso - as eleições gerais de Março de 2004 em Espanha - que ainda hoje é falado, estudado e discutido. Inclusive, há um documentário, “As 72 horas que abalaram Espanha”, que conta a história vivida pelos espanhóis durante os três dias que antecederam o dia das eleições: os atentados do 11 de Março, também conhecidos como 11-M; dois dias depois (13), não houve o tal período de reflexão mas sim uma grande manifestação à porta da sede do PP. E, no dia seguinte, o PP perde as eleições para o PSOE de Zapatero.
Na altura, o PP de Aznar/Rajoy ia à frente em todas as sondagens. Zapatero era um político sem carisma. Todos os analistas falavam numa vitória certa do PP. Aznar tinha deixado uma marca de mão-de-ferro contra a ETA. Fez do combate ao terrorismo um trunfo. Inclusive, um ano antes (Março de 2003) tinha dado uma ajudinha a Bush (na "cimeira das Lajes”) para invadir Iraque. Todos foram unânimes: Aznar não foi derrotado pelo PSOE, mas sim, ironicamente, pelo terrorismo. Disseram na altura: sem o atentado de Madrid, o resultado das eleições poderia ter sido outro.
Este exemplo só mostra que, de facto, a verdadeira sondagem é aquela do dia das eleições. O resto é conversa. No entanto, considero as sondagens, quando bem feitas, com boas intenções e de uma forma séria, uma boa ferramenta de trabalho e para consumo interno dos partidos.
Todavia, utilizado como arma de propaganda política contra o adversário já não. Para agitar as tropas, se calhar até se admite. Tentar intimidar ou desincentivar os apoiantes dos adversários parece, porém, uma opção menos correcta.
Este tem sido o erro de certos partidos, ultimamente: usar as sondagens para dizer aos outros que a vitória já está no papo; que nem vale a pena os outros (leia-se apoiantes dos adversários) irem votar; que é perda de tempo; que vai ser goleada.
Ou seja, em vez de apresentar a sua plataforma eleitoral, as ideias que tem para o país, tem preferido publicar, semana sim, semana não, uma sondagem. Já agora, aproveito o mote, lançado por esse mesmo partido, para perguntar: quem é que tem pago todas essas sondagens?
Os partidos não podem cair na cantiga dessas “fábricas” de sondagens. Têm que ter a noção de que essas “sondagens” são feitas à medida, ou seja, ao gosto do freguês. Aproveitam duma coisa: o facto de se gostar de ouvir um bom elogio, mesmo que seja mentira.
Se os partidos continuarem a acreditar em tudo o que dizem esses “sondageiros”, cairão cada vez mais no ridículo, como aconteceu, agora, com esse mesmo partido. Mandar fazer uma sondagem no próprio site só porque ”se achou”? Aquilo foi um erro de palmatória. Um tiro no próprio pé.
Pior do que estar a “perder em casa”, perante os “adeptos”, foi tentar emendar o resultado. A coisa deu para o torto: o site “crashava”, as percentagens não batiam certo (chegou a ser maior que 100%), etc. A emenda saiu pior do que o soneto. Uma triste figura!
Acredito que esse partido é uma pessoa de bem. Aliás, como todos. Sei disto porque conheço pessoas desse partido que são pessoas sérias. Seguramente, não se revêem nesse tipo de comportamento. Tenho a certeza que ficaram envergonhadas. Melhor dizendo, o país todo ficou. O problema é que, infelizmente, esse partido também tem pessoas menos sérias.
Para a história fica o mau serviço que o partido prestou à democracia. Pergunto: vale tudo para ganhar as eleições? Decididamente: não! Espero que tenha definitivamente aprendido com o erro e que passe a ter mais humildade política.
Entretanto, é urgente que se ponha cobro a esta total anarquia, a esta total bagunça, que se verifica nesta área do saber que é o estudo de opinião. Primeira coisa será a regulação do mercado. Como não há entidades reguladoras nesta matéria, penso que as universidades, centro de produção de conhecimento por excelência, de credibilidade e de cientificidade, poderiam perfeitamente assumir este papel de regulador de mercado.
Poderiam fazê-lo de uma forma muito simples: com a sua credibilidade e conhecimento, bastava elevarem o nível e a qualidade dos estudos. Uma autocrítica: se temos, hoje, universidades dotadas de pessoas qualificadas, com departamentos (ou áreas afins) desta área científica, fica difícil perceber esta não aposta e desinteresse. Depois, a prestação de serviços deste género à sociedade civil é uma das obrigações que assiste a todas elas.
Segundo, um apelo à mudança de comportamento dos partidos políticos. Têm de parar com esta propaganda barata. Têm de deixar de alimentar este negócio. Se não comprarem, o negócio morre. Se querem a credibilização das sondagens como tanto apregoam, terão que mostrar com actos e não com conversas para inglês ver.
Às empresas (estou a falar das sérias pois ninguém dúvida de que existem pessoas sérias e competentes nesta área) caber-lhes-á a árdua tarefa de defender a classe. Terão que ser eles, também, a denunciarem as situações menos sérias. Se querem proteger a classe, se querem salvaguardar todo o pomar, vão ter que “afastar as maças podres”, citando um dirigente desportivo.
As sondagens não podem continuar a ser um negócio. Não podem continuar a ser cozinhadas nas “fábricas” de sondagens. Têm de voltar a ser um estudo científico e de saber. Têm de passar a ser realizadas por verdadeiros centros de pesquisas.
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