sexta-feira, julho 16, 2010

AS FUNÇÕES DE DEPUTADO E DE ADVOGADO SÃO (IN)COMPATÍVEIS?

Estamos a, sensivelmente, um ano das eleições legislativas. Os partidos já começaram a afinar a máquina, a traçar as estratégias e a preparar para escolher os rostos - candidatos a deputados da nação.
Em vésperas de eleições, esta discussão em torno dos “deputáveis” sempre foi difícil e controverso. Acredito que, desta vez, voltará a sê-lo, para não fugir a regra.

Primeiro, porque é um cargo apetecível, bem remunerado e de muita influência, que muitos, legitimamente, ambicionam.
Segundo, com a questão das paridades e da igualdade dos géneros (sinceramente, apesar de perceber, custa-me aceitar esta nova “moda” das cotas, em vez do mérito) e o papel cada vez mais preponderante das “jotas”, os partidos sentirão uma certa “obrigação” em ter, nas suas listas, mais caras jovens e femeninas (também, verdade seja dita: nos dias de hoje, onde o marketing político tem um grande peso, os jovens e as mulheres ficam bem na fotografia).
Entretanto, há uma matéria que me tem preocupado (creio não ser o único), que tem passado ao lado do debate e que, na minha opinião, carece de um esclarecimento antes do próximo pleito eleitoral: a questão da (in)compatibilidade das funções de deputado.
Em Cabo Verde (assim como noutras paragens), o cargo de deputado pode ser exercido: a tempo inteiro e em regime de exclusividade (ou seja, o deputado não pode exercer outra actividade), ou a tempo parcial mas compatível com outra profissão (pode ser acumulado com outras funções, p.e, professor ou advogado).
Mas, há uma questão que se coloca: será que as funções de Deputado e de Advogado são (in)compatíveis?
Se parece consensual não haver mal nenhum na compatibilidade com a docência, o mesmo se aplica aos advogados?
O papel que os advogados têm tido em toda a nossa política é inegável, onde sempre emprestaram o seu conhecimento. Porém, misturar as funções, não é correr o risco de exercerem menos bem, tanto a função de deputado como a de advogado?
O que está, aqui, em causa não é nem a competência e nem tão-pouco a seriedade das pessoas. Mas convém,”à mulher de César não basta ser séria; é preciso parecê-la".
Não é a minha preocupação centrar esta questão na esfera jurídica e da constitucionalidade, até porque sou leigo e, também, não quero meter a foice em seara alheia. Quero, isto sim, abordá-la em termos ético-político, se é que se pode falar dessa questão nessas perspectivas.
Vejamos a discussão que, neste momento, acontece em Portugal.
Há dias, numa entrevista, o controverso e sem papas na língua bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal, dr. Marinho Pinto (MP), afirmou ser “contra a possibilidade de acumulação de funções de deputado com a de advogado”, e que as "funções soberanas devem ser exercidas em exclusividade".
MP exigiu a revogação da norma que permite aos advogados acumularem funções com as de deputados, por achar que “muitas vezes, os deputados - que são advogados- actuam em função de interesses privados dos seus clientes, e que não se pode elaborar leis num dia e ir noutro ao tribunal decidir em função delas”.
Opinião contrária tem, p.e, o eurodeputado (candidato derrotado nas últimas directas do PSD), dr. Paulo Rangel (PR), que considerou essas afirmações “um disparate”.
Confesso que, às vezes, não gosto do estilo de MP. No entanto, creio que essas palavras estão carregadas de algumas verdades, mas longe de serem consensuais, a julgar pelas afirmações de PR.
Independentemente de tudo isto, uma coisa é certa: se, de facto, queremos transparência no funcionamento das instituições, mormente do parlamento e dos tribunais, este assunto deve ser debatido o mais rápido possivel.
O parlamento, a casa da democracia, é o lugar ideal para uma discussão descomplexada e descomprometida.
Entretanto, além do parlamento e dos deputados, outras entidades e pessoas, com resposabilidades directas nesta matéria, devem ser chamados para o debate.
Refiro-me ao senhor bastonário da Ordem dos Advogados de Cabo Verde.
Refiro-me, também, aos senhores lideres partidários com assento no parlamento. Dá a sensação de que, no seio da classe política e dos partidos, o assunto é tabu, e que ninguém, passe a expressão, quer atirar a primeira pedra, por, se calhar, temer o seu telhado de vidro.
Mas não há volta a dar. As eleições já estão a porta, portanto qualquer medida deve ser tomada agora.
Se se quer uma justiça verdadeiramente transparente, com a separação total e clara entre o poder legislativo e judicial, e acabar, de vez, com a promiscuidade gritante entre a política e a justiça, a classe política tem aqui uma excelente oportunidade para dar um sinal claro da sua intenção, levando para parlamento um diploma de revogação da norma da função de deputado em vigor.
Se isto vier a acontecer, a nossa democracia, a nossa justiça e todos os cabo-verdianos serão os grandes beneficiados.
Até breve!

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