quinta-feira, fevereiro 18, 2010

REFORMA ENERGÉTICA: CHEGOU A HORA

Fez-se a cisão da Electra por ilhas. Antes, não se devia discutir que mercado de electricidade é que se quer para o futuro? E exequível ou não em CV um mercado segmentado e delimitado, com os negócios de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade, claramente separados? Admitindo que sim, a cisão não deveria ser por áreas de negócios, em vez de ser por ilhas?
“Todo o mundo é composto de mudança, tomando, sempre, novas qualidades”, Luís de Camões
Depois de uma década de estagnação e de crise profunda, o sector energético apresta-se para viver um período de grandes mudanças. Tudo indicia que vem aí novos tempos.
Recentemente, foi criada a CaboEólica - sociedade que irá gerir os parques eólicos -, tendo o governo já apontado como meta (até Abril de 2011) atingir 28 MW de potência instalada (25% de taxa de penetração; actualmente, é de 2%, segundo a Electra).
Além de quatro parques eólicos, garante o executivo que estão em curso outros projectos no domínio das renováveis (fala-se num projecto com a Martifer Solar para a construção das duas centrais fotovoltaicas - de Santiago, com uma potência de 5 MW, e a do Sal, com 2,5 MW).
A fazer fé em todas essas promessas, tudo aponta que os projectos no domínio das renováveis vão, finalmente, sair do papel para passarem a ser uma realidade. Bem-haja!
Com a entrada em funcionamento desses novos centros de produção, toda a matriz eléctrica vai se diversificar e se complexificar. A ligação entre os centros de produção (convencional e renováveis) e os centros de consumo (inclusive os mais remotos) espalhados pelo país vai passar a ser muito mais complexa, com novos traçados, o que exigira a criação de uma verdadeira linha de transportes e de distribuição fundamental para um eficiente funcionamento de todo o sistema eléctrico.
Creio que as mudanças não podem e nem devem ficar por aqui. Outros três aspectos, na minha opinião, devem merecer uma especial atenção.
Falo de um novo figurino para o mercado da electricidade (p.e, segmentação por áreas de negócio) e a Regulação do sector, pois, é expectável que, para promover e incentivar a iniciativa privada, o negócio da electricidade passe a estar clara e completamente aberta à concorrência, exigindo que a regulação seja feita por uma entidade forte e independente. Acredito que só assim é que surgirão, no mercado, verdadeiros investidores e produtores independentes.
Falo do processo de electrificação rural que não pode ser esquecida. Hoje, a energia é considerada um bem de primeira necessidade (no seu último relatório, as Nações Unidas revelam que cerca de um terço da população mundial vive sem acesso à energia eléctrica, e que há uma relação entre a pobreza extrema e a falta de acesso a energia). Por isso, reitero a importância da criação de uma verdadeira linha de transportes e de distribuição de energia eléctrica, uma responsabilidade que o Estado não pode furtar-se, para que todos os consumidores, mormente os mais remotos, tenham acesso à electricidade.
E falo da Companhia Comum de Logística de Combustíveis - empresa tripartida tendo como accionistas as duas petrolíferas, a SHELL e a ENACOL, e o Estado de Cabo Verde. Em 2002, um estudo financiado pelo Banco Mundial recomendou ao governo cabo-verdiano a criação de uma empresa única com o objectivo de importar, armazenar e distribuir combustíveis. Volvidos 8 anos, o projecto ainda não saiu do papel e parece adiado sine die. Até quando?
A acrescentar a estes novos inputs, encontram-se muitas outras prioridades, há muito tempo na fila, à espera de solução. São os casos do combate ao roubo e as perdas na rede eléctrica, a iluminação pública, os contadores pré-pagos, o tarifário-horário, etc, etc.
Ou seja, chegou-se num ponto crítico, onde é preciso actuar, e já.
A primeira medida urgente é a definição da POLÍTICA ENERGÉTICA. O sector precisa de ter documento orientador, para que se ponha fim a uma certa desorientacão e política de zigue zague, uma tónica nos últimos tempos.
Não faz sentido começarmos a construir os parques eólicos a torto e a direito, reestruturar a Electra, distribuir lâmpadas de baixo consumo, etc. etc., se não sabemos, realmente, o que queremos para o sector da Energia. A sensação que se tem é que estamos a construir a casa pelo tecto, em vez de, primeiro, criar a base.
Basta de medidas tímidas e avulsas, meros paliativos.
Dou-vos um exemplo. Fez-se a cisão da Electra por ilhas. Antes, não se devia discutir que mercado de electricidade é que se quer para o futuro? E exequível ou não em CV um mercado segmentado e delimitado, com os negócios de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade, claramente separados? Admitindo que sim, a cisão não deveria ser por áreas de negócios, em vez de ser por ilhas?
Pronto esse documento, estarão reunidas as condições para a implementação de um grande pacote de REFORMA ESTRUTURAL, que podia perfeitamente ser integrada na onda de infraestruturação económica em curso no país. O país e o sector já não podem esperar mais.
O sector precisa de uma reorganização e reformatação, que deverá estar sempre alicerçada numa política energética, previamente desenhada, que integre todas os subsectores, mormente os combustíveis, e que tenha presente os problemas actuais mas com os olhos sempre postos no futuro.
Vem aí os grandes projectos no domínio das renováveis. Sempre defendi (e continuarei a defender) os projectos nesse domínio. Não tenho dúvida que será o futuro. Contudo, elas não podem ser vistas (é a sensação de quem está de fora) como o “salvador da pátria” e a “cura” para todos os males de que padece o nosso sistema energético.
Adianta ter tecnologias renováveis, limpas e amigas do ambiente, e depois ter uma rede “inimiga” e obsoleta, que manda, literalmente para o ar, 27% de energia nela injectada?
Já ninguém duvida que o desenvolvimento económico do país está, indubitavelmente, ligado ao sector energético. Parafraseando o PM português, Sócrates, diria que a Energia é o novo paradigma económico de Cabo Verde.
Por isso, reitero que a reforma energética não pode ser mais adiada. Chegou a hora.
A decisão final cabe à classe política. Chega de partidarizacão. O que se quer é uma convergência numa política energética comum. Se calhar, vai ser preciso, mais uma vez, um pacto entre os dois maiores partidos, envolvendo os seus líderes (assim como houve, p.e, na Justiça).
Contudo, a responsabilidade não pode ser imputada só à classe política. Todos nós somos chamados a darmos a nossa cota parte. Confesso que me impressiona a falta de debate que tem havido sobre este tema. Falo muitas vezes com pessoas com experiência e conhecimento na matéria, mas que por uma razão ou outra não têm dado, nem a cara, nem voz a essa nobre causa. Esta é a hora de todos nós darmos o nosso modesto contributo. Ninguém deve ficar de fora.
Apesar de nada ter a ver com o tema deste escrito (se calhar até tem!), tenho ainda bem fresco na memória, o grande “djunta mon”, quando, recentemente, o país foi fustigado pela epidemia da dengue.
Não terá chegado a hora de juntarmos as nossas forças para erradicarmos de vez a crise energética que assola as nossas ilhas?
Até breve!

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