segunda-feira, abril 05, 2010

A VIDA DOS ESTUDANTES CABO-VERDIANOS NO PORTO: UM GRITO DE ALERTA*

Estávamos em 1992. Lembro-me perfeitamente. Lembro-me como se fosse hoje, o dia em que cheguei na cidade de Porto, Portugal, para iniciar mais uma etapa na minha vida - frequentar um curso universitário -, ambição de qualquer jovem cabo-verdiano.

Tinha chegado à cidade da minha equipa do coração, FC do Porto (FCP). Assim sendo, depois de me matricular e conhecer a faculdade, a famosa FEUP, das primeiras coisas que fiz foi ir conhecer o (já não existente) estádio das Antas. Foi uma grande alegria e jamais me esquecerei.
Porto era uma cidade que chovia quase diariamente, cinzenta, com casas antigas e ruas apertadas, mas muito calma. Éramos, na altura, menos de vinte estudantes, se não estou em erro. Conhecíamos uns aos outros. Foi, provavelmente, um dos melhores momentos da minha vida.
Passados quase 18 anos (com algumas visitas relâmpagos pelo meio), tive o privilégio e o prazer de voltar, no último Dezembro, à cidade invicta.
Já não é a mesma coisa. Uma cidade completamente diferente, moderna, com uma rede de metropolitano e muitos prédios altos. A emblemática Baixa na Av. dos Aliados, palco dos festejos dos campeonatos do meu FéKéPé e da tradicional festa de São João, mudara completamente, e para melhor, de rosto.
Diria que duas coisas permaneceram iguaizinhas no Porto: o espírito ganhador da sua equipa do futebol, FCP, que continuara a coleccionar títulos atrás de títulos, e o sabor da sua francesinha - prato típico da cidade.
Regressar à cidade que, cívica e academicamente, me formou, foi voltar a um sítio onde tenho grandes amigos, cabo-verdianos e portugueses. Foi, simplesmente, espetacular! Quem já lá esteve, sabe do que é que estou a falar.
Pude reviver com um grande amigo meu, Dany, os nossos velhos tempos de estudantes. Apesar dele (também eu) já não ter a mesma pedalada doutros tempos (é claro, com mais idade, filhos, barriguinha, trabalho, etc.), mesmo assim deu para revisitar alguns sítios amiúde frequentados por estudantes e “matar” saudades.
Apercebi-me logo que aquele ambiente familiar de outrora já não havia. A comunidade estudantil era muito maior (ultrapassara, talvez, duas centenas). A acalmia fora substituída por alguma confusão.
De repente, uma comunidade estudantil que era sobejamente conhecida por ser bem comportada e estudiosa, por formar e dar bons quadros (muitos trabalham em grande empresas do norte de Portugal), passara a ser associada à violência e à delinquência.
Caro leitor, todo este melancólico preâmbulo, que já vai longo, vem a propósito duma notícia que foi dada a estampa pelo jornal português Expresso (http://aeiou.expresso.pt/quatro-estudantes-detidos-por-assaltos-a-mao-armada=f566265), no dia 19 de Fevereiro, onde se podia ler que “a Polícia Judiciária de Portugal tinha detido, na cidade do Porto, quatro jovens suspeitos, todos estudantes, de cinco assaltos com armas de fogo.”
Confesso que, como ex-estudante, mas acima de tudo como cabo-verdiano, me senti envergonhado e entristecido, apesar de não ter estranhado o facto (quem vive ou esteve no Porto já contava com isto, mais tarde ou mais cedo).
No entanto, estranhei, isso sim, a total distracção dos nossos governantes para com um fenómeno que, eventualmente, já é transfronteiriço.
Estranhei, também, não ter havido qualquer reacção, nem da parte do governo e nem, também, da Associação Nacional dos Municípios de Cabo Verde, mesmo sabendo que é a imagem do país que está em causa.
O governo e as câmaras municipais, os principais responsáveis pela atribuição de bolsas e de vagas, não podem continuar a fazer orelhas moucas como se nada fosse com eles.
São eles, os principais responsáveis por alguma má política de educação, principalmente a nível da formação profissional, dos últimos tempos. Não podem continuar a mandar os estudantes para Portugal, a torto e a direito, com promessas de bolsas e depois deixá-los “ao Deus dará”.
Senão, vejamos um exemplo paradigmático que é o caso de Édson Évora, 21 anos, natural de Santa Cruz, que está a tirar um curso de formação profissional de pintor. Numa entrevista dada ao Expresso das ilhas disse: "passei necessidades, cheguei a ficar três ou quatro dias sem comer, por atraso do subsídio e se não fosse a minha família não estaria aqui hoje...não recebemos assistência de Cabo Verde".
Este testemunho, que vale mais do que mil palavras, é um autêntico grito de alerta para que os responsáveis ponham definitivamente cobro a tudo isto antes que a situação, que já é grave, se torne incontrolável.
Primeiro, urge rever toda a política de educação seguida ultimamente, para que casos como o do Edson não voltem a acontecer.
Depois, é necessário que se investigue se existe ou não alguma relação de causa e efeito entre este acontecimento e a onda de insegurança e de delinquência juvenil que se vive hoje em CV.
Finalmente, sublinhar a obrigação de todos, mormente dos nossos governantes, na preservação da boa imagem do país lá fora.
Em Portugal, sempre fomos conhecidos como o país da morabeza, das belas praias, da cachupa, da música, da Cesária Évora e, também, de bons estudantes e trabalhadores.
É esta a imagem que temos que continuar a preservar.
Até breve!
*Dedico este artigo a todos os que estudam ou estudaram na cidade do Porto.

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